sexta-feira, 15 de junho de 2007

Tapihritsa e o Dzogchen na Linhagem Zhang Zhung Nyangyü


Dialogo entre Tapihritsa e dois discípulos

No fim da sua vida, Tapihritsa, realizou o corpo arco-íris, entrando na condição de total purificação sem deixar despojos mortais. Para si mesmo ele realizou o estado de bonku, para outros o estado de tulku, manifestando-se na sua forma visível para voltar a despertar aqueles que tinham a benção de o ver. A sua manifestação física não era limitada e tinha a capacidade de manifestar em configurações diferentes. Depois de ter atingido o corpo de arco-íris, Tapihritsa reencarnou como criança para ensinar os seus dois principais discípulos, Gyerpung Nangzher Lodpo e Mo Yungdrung.

Gyerpung Nangzher Lodpo pertencia à ilustre família Gurib, um clã que se vangloriava de vários anteriores detentores de linhagem. O seu pai era Gurib Bumed, a sua mãe Mangorza Droma. Recebera instruções e ensinamentos do mestre Zepung Lawa Gyaltsen e de muitos outros mestres. Era um grande mestre, perfeitamente versado em todas as doutrinas dos nove Caminhos. Praticava austeridade e cumpria todos os votos. Obtivera grande poder através da prática de Yidam Meri e tornara-se sacerdote real do rei Ligmincha de Zhang Zhung. Depois do assassínio do rei Ligmincha pelo rei Trisong Detsen do Tibete, lançou bombas mágicas sobre Trisong Detsen, salvou deste modo os ensinamentos Bon, forçando o rei tibetano a desistir da destruição dos textos Bon, de modo a que não se tornara necessário de esconder os textos Zhang Zhung Nyan Gyud que tinha reunido para depois redescobri-los como terma.

Nangzher Lodpo tornara-se muito orgulhoso, graças ao seu grande poder e fama e para ultrapassar este orgulho Tapihritsa lhe apareceu na forma de uma criança, libertando-o de todos as correntes do seu apego ao Ego. Assim foi capaz de contemplar a sua mente na condição de equanimidade e de atingir a realização suprema e tornar-se um Buda omnisciente.

A criança apareceu a Mo Yungdrung, que era muito rico, contando-lhe que estava a mendigar porque não encontrara nenhum trabalho. Assim o rico praticante lhe ofereceu integrar a sua família como criado, guardando os animais. O rapaz era muito inteligente e ágil no seu trabalho e deram-lhe o nome de Nyeleg. Nesta altura, Nangzher Lodpo estava em retiro numa caverna nas proximidades, apadrinhado por Mo Yungdrung. Um dia Nyeleg, voltando com o seu saco das montanhas para onde tinha levado os animais para o pasto, viu Nanghzer Lodpo a sair da sua caverna. Nyeleg prosternou-se e demonstrou o respeito nove vezes como manda a tradição. O mestre notou que o rapaz estava treinado na doutrina e perguntou-lhe: “Quem é o teu mestre? Que tipo de meditação praticas? O que carregas no teu saco? Porquê te comportas deste modo? Para onde é que vais?”

Nyeleg respondeu: “A visão é o meu mestre. Pratico o estado não-conceptual. Medito em tudo o que vejo nas três dimensões (da existência). Carrego pensamentos no meu saco. O meu comportamento é trabalhar como criado dos seres sensíveis. Não vou a lado nenhum.” O mestre ficou decepcionado. Sentia-se orgulhoso de ser um mestre importante e sentiu que a resposta do rapaz tinha sido desrespeitosa. Replicou cepticamente: “Se a visão é o teu mestre, significa que não tens mestre. Se o estado não-conceptual é a tua prática, significa que não precisas nem de alimento nem de roupa. Se a tua meditação é todas as visões das três dimensões, isto significa que não precisas de meditar: sem meditação receberás plena realização. Se carregas pensamentos no teu saco, isto significa que não tens desejos.” O rapaz disse então: “Se não entendes a visão como mestre, então quem é que ensinou o Buda primordial?” Ele queria dizer que, para entender a verdadeira condição, não há necessidade de um mestre; o mestre explica e confirma ao praticante a experiência da sua própria sabedoria inata, algo que o praticante já sabe; não há nada de novo que ele lhe pode ensinar. “O meu estado é o estado não-conceptual porque nesta base não há pensamentos: visões conceptuais não são prática meditativa. A minha meditação é a visão dos três mundos: na verdadeira natureza não há parcialidade. Se houvesse, não seria meditação. Se carrego pensamentos no meu saco, isto significa que os desejos acabaram de modo que não há pensamentos. Se não tiveres conceitos, apercebes-te do sentido. Se a minha prática é ser o criado de todos os seres, isto significa que todas as experiências de bem-aventurança e de sofrimento são de um único sabor e experimentar a não-separação do bem e do mal é a minha prática.” Nangzher Lodpo ficou zangado e disse: “Se és tão inteligente, temos de debater amanhã na presença do rei.” O rapaz riu-se sonoramente e disse: “ Causa e efeito é entendimento ignorante. Grandes praticantes de meditação que mantêm pensamentos presos e controlados, são sonolentos e dormem quando meditam. A linguagem e a lógica da filosofia são como armas e teias escuras. Debater é apenas conceitos verbais e a prática Tântrica é transformar a mente e não a deixar na sua natureza. Mestres instruídos têm entendimento insignificante e a sua visão e meditação são como bolhas, meras palavras sem aplicação prática. Tudo isto não é a verdadeira prática; o derradeiro estado é incondicional. Não há prática a fazer, não há obscurecimentos e uma vez que tens o verdadeiro entendimento, não há nada que tem de ser forçado ou mudado.”

Há três modos de explicar as coisas às pessoas: podemos indicar-lhes os seus erros, o que não é o melhor modo; podemos ficar calados, porque, se as pessoas põem muitas questões e não respondemos, podem perceber algo desse modo; ou podemos actuar do mesmo modo como eles. Foi isso que Nyeleg fez: reagiu às questões e respostas que recebeu. Criticou Nanghzher Lodpo que se zangou e disse: “Amanhã vamos debater na presença do rei. Se ganhares, serás o meu mestre; se eu ganhar, castigar-te-ei.” De repente Nangzher Lodpo reconheceu o rapaz como uma emanação e desmaiou. Quando recuperou a consciência, confessou os seus actos negativos a Tapirhitsa. Entretanto, uma vez que todos os animais se soltaram, sendo comido por lobos, Mo Yungdrung chegou e ralhou com a criança, mas Nangzher disse-lhe: “Não te devias zangar, uma vez que elea é um grande mestre e é muito importante para nós.” Então ambos estiveram confusos e desculparam-se pelo modo como tinham falado com o rapaz e desmaiaram a seguir. Quando recuperaram os seus sentidos, Tapihritsa tinha subido ao céu e estava sentado no espaço, rodeado por círculos de arco-íris e riu-se. Os dois discípulos sentaram-se então e Tapirhitsa começou a transmitir os seus últimos ensinamentos. Se bem que Nangzher Lodpo fosse muito instruido, o seu grande orgulho bloqueava-o ao verdaeiro entendimento, e esses breves mas essenciais ensinamentos ajudaram-no a libertar-se a si próprio.

traduzido apartir de: Wonders of the Natural Mind, The Essence of Dzogchen in the Native Bon Tradition of Tibet por Luis Fataca