segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O Dzogchen na Tradição Bön (parte 1)

por: Tenzin Wangyal Rinpoché*

A sabedoria auto[1] surgida é a Base,As cinco emoções negativas são a energia manifesta,Ver as emoções como erróneas é um erro;Deixá-las na sua natureza é o métodoPara encontrar o estado não dual da Liberação;Suplantar a esperança e o medo é o resultado.

Apesar de terem existido praticantes de Dzogchen em todas as tradições religiosas tibetanas, tais como o Quinto Dalai Lama, da escola Gelugpa; o Terceiro Karmapa Rangjung Dorje, da escola Kagyüpa e Dragpa Gyaltsen, da escola Sakyapa, as linhagens mais importantes dos Ensinamentos Dzogchen são encontrados no Bön, a religião nativa do Tibete e na Escola Nyingmapa (a mais antiga) do Budismo Tibetana. Ambas as tradições classificam os seus ensinamentos em “nove Caminhos”, ou vias de prática que conduzem à iluminação ou realização e em ambas as classificações, o Dzogchen é o nono e mais elevado Caminho.Nos dias de hoje, mestres de todas as escolas tibetanas têm começado a ensinar Dzogchen e quase parece que o Dzogchen está a tornar-se um tipo de moda no ocidente.

O Dzogchen
Dzogchen (rdzogs chen) significa literalmente "perfeição", "realização" ou "preenchimento" (rdzogs) que está "completo" ou "grande" (chen). Apesar do Dzogchen ser a "grande esfera única", por conveniência ele é descrito como tendo os três aspectos Base, Caminho e Fruto: "Base" porque o solo do Dzogchen é o estado primordial do indivíduo; "Caminho" porque o Dzogchen é o caminho supremo, directo e imediato para a realização; e "Fruto" porque o Dzogchen é a consumação da iluminação, a libertação do ciclo ilusório de transmigração samsárica numa única vida.De modo a compreender melhor o Dzogchen, olhemos um pouco mais para a divisão em Base, Caminho e Fruto.De acordo com os ensinamentos Dzogchen, a Essência (ngo bo) da Base de tudo (kun gzhi) é vazia (ston pa nyid) é primordialmente pura (ka dag); a Natureza (rang bzhin) da Base é a Claridade (gsal ba) que é espontaneamente perfeita (lhun sgrub); a união inseparável (dbyer med) da Essência primordialmente pura e da Natureza espontaneamente perfeita é o fluxo inobstructível (ma’ gag pa) da Energia ou Compaixão (thugs je). Na mente individual, esta Base é o estado natural (gzhi) e é a fonte de samsara para a mente iludida (ma rig pa) e a fonte do nirvana para a mente na qual o conhecimento (rig pa) está desperto.A essência de kunzhi, ou Base, é chamada Mãe (ma), a consciência desperta (rig pa) é chamada Filho (bu) e a inseparabilidade (dbyer med) da mãe e do filho é o fluxo da Energia (tsal).O Caminho (lam) consiste em ganhar «insight» da Visão (lta ba) do Dzogchen, que é o conhecimento da verdadeira condição da Base do indivíduo e fazer o fluxo de rigpa, cultivado através da Meditação, contínuo no período pós-meditativo, para que possa ser integrado na nossa conduta ou atitude e nas actividades da vida diária.
O Fruto é a actualização dos três kayas inerentes nesta mesma vida e culmina no atingir do corpo de arco-íris, ou corpo de luz, no fim da vida, enquanto na morte o corpo material não deixa restos mortais mas dissolve-se na sua natureza, a qual é a luz.

O Dzogchen no Contexto da Prática Espiritual Bön
O Dzogchen é a mais elevada tradição espiritual do Bön. No passado, os praticantes que conheciam e praticavam o Dzogchen no Tibet eram poucos, mesmo dentro das tradições Bön e Nyingma. Um dos motivo para isto é que não era fácil receber estes ensinamentos; eles eram mantidos em muito secretismo, poucos mestres os concediam e a poucos estudantes. Mesmo em momentos actuais, os adeptos leigos do Bön no Tibete habitualmente dispendem bastante tempo a realizar as nove práticas preliminares (ngöndro) e o phowa, enquanto os monges que permanecem nos mosteiros envolvem-se principalmente em estudos intelectuais e filosóficos e em debate, bem como em recitações de textos litúrgicos e rituais.Muitos mestres insistiam (e muitos mestres continuam a insistir) que os praticantes completem as práticas do ngöndro antes de receberem ensinamentos do Dzogchen. Estas práticas preliminares são descritas no Nyamgyü Gyalwe Chagtri (nyams rgyud rgyal ba'i phyag krid). Cada uma destas nove práticas deve ser realizada cem mil vezes. As nove práticas são:

A Geração de compaixão por todos os seres sencientes
Tomar de refúgio
Oferecer o mandala
Meditação na impermanência
Confissão de transgressões
Realizar Prostrações
Guru Yoga, fundir a mente com a mente iluminada do mestre visualizado em frente de si próprio
Oferecer orações
Receber bênçãos

No entanto, quando eu recebi os ensinamentos do Zhang Zhung Nyangyü, o Lopön Sangye Tenzin, afirmou que apesar de em tempos antigos poder ter sido adequado manter os ensinamentos do Dzogchen secretos, nos nossos tempos problemáticos é melhor dá-los mais aberta e livremente (mas sem desta forma diminuir o seu valor) ou haveria o perigo destes fenecerem. (continua...)

[1] Do inglês «self» que pode ser traduzido como: próprio, auto, em si ou espontâneo.